terça-feira, 3 de março de 2015

por Fernando Martins

O regime militar no Brasil vigorou entre 1964 e 1985, mas suas marcas ainda estão expostas em diversos lugares da socidade. Além das histórias que marcam vidas, ficaram ruas, praças e bairros com nomes de ex-militares e construções que, na época, foram financiadas pelo regime.

O jornalista Zarcilo Barbosa lembra que a amizade entre os administradores da cidade e os membros da Presidência da República rendeu bons frutos ao setor financeiro da cidade: “graças a esse bom convívio político, Bauru conseguiu muita verba para obras como a continuação da avenida Nações Unidas e a construção da rodoviária”.

Olhando para o mapa da cidade, também encontramos alguns desses resquícios da ditadura e algumas ruas ainda homenageiam pessoas ligadas a essa turbulenta fase do país, segundo o historiador Irineu Azevedo Bastos, que pesquisa em parceria com o Departamento de Água e Esgoto (DAE) os nomes de ruas da cidade. “Há endereços em referência tanto a pessoas que bateram, quanto também as que apanharam durante a ditadura”.

No Jardim Quinta Ranieri, há a rua Irmãos Petit, que remete à história de Lúcio, Jaime e Maria Lú- cia Petit, mortos na Guerrilha do Araguaia pela repressão militar. A rua Hermes Camargo Batista, localizada no bairro Jardim Europa, também leva o nome de um ex- -guerrilheiro da Vanguarda Popular Revolucionária.

Também até hoje há homenagens feitas a torturadores, militares e pessoas com ligações negativas ao período da ditadura. Antônio Pedroso lembra de um caso peculiar. “Um dos nomes de logradouros mais polêmicos é o que leva o nome de Sílvio Marques Júnior, localizado no bairro Novo Jardim Pagani. Sílvio era professor de Direito no Instituto Toledo de Ensino, a ITE, e foi o fundador da Frente Anticomunista na cidade na década de 60”, explica.

Antônio Pedroso cita ainda outro caso que gera discussão: “uma dessas menções inexplicáveis está no Instituto Médico Legal de Bauru, que leva o nome de Jair Romeu, legista do exército que assinava autópsias de torturados, amenizando as agressões ou alterando a causa da morte”.

Outro local bem conhecido é o bairro Geisel, que faz homenagem ao presidente Ernesto Geisel, penúltimo presidente militar, um dos responsáveis pela abertura política do país durante seu mandato. 

Erro corrigido

Em 1980, na cidade de São Carlos, um decreto assinado pelo prefeito Antonio Massei mudaria o nome da rua de “travessa G” para “Rua Sergio Paranhos Fleury”, homenageando um dos maiores torturadores que o país já teve.

Só em 2009, Lineu Navarro, presidente da Câmara na época, apresentou o projeto que mudou o nome do logradouro para “Dom Hélder Câmara”, justamente por ser um bispo que sempre lutou a favor dos direitos humanos.

Não foi atentado

Muitos não sabem, principalmente os mais jovens, mas a avenida Nações Unidas já explodiu quase que por inteira. E mais, quase causando um acidente com o presidente da república, Ernesto Geisel, que visitava Bauru no dia. Era 13 de agosto de 1976, depois de um acidente, um caminhão de combustível que tombou na avenida Otávio Pinheiro Brizola, pró- ximo à USP, derramou óleo pela tubulação de toda a avenida Nações Unidas.

Por volta das 13 horas, uma hora depois de Ernesto Geisel ter acabado de sair da cidade rumo a Jaú, a Nações Unidas explodiu, literalmente, como lembra a professora doutora Terezinha Zanloch: “foi tudo pelos ares e na época houve toda aquela desconfiança de atentado, tanto que Bauru ficou sob investigação da Polícia Federal por cerca de um mês, mas o caso foi confirmado como apenas um acidente”.

Rogerio Pereira Arcangelo, proprietário da lanchonete Lelo’s, fundada meses antes da explosão, conta sobre esse dia e como a explosão o forçou a trocar de endereço: “eu acompanhei a passagem do presidente pela cidade, mas na hora da explosão eu já estava em casa. Ouvi um estrondo e depois vi que danificou o asfalto todinho da avenida, formando crateras. Os coqueiros caíram, os bueiros estouraram, assim como os canos d’água. Assim, mesmo sem danificar o trailer, tive que mudar para a Nuno de Assis, onde fiquei até a Nações Unidas ser recuperada, quando me instalei embaixo do viaduto da avenida Duque de Caxias, onde trabalhei durante 17 anos”, recorda-se o comerciante que há mais de 32 anos serve Bauru com seu cardápio de lanches e batidas.
Para professores, livros explicam a ditadura mas há pouco interesse

por Fernando Martins

Nesta edição do aGente são apresentados vários aspectos do período da ditadura e a sua importância. Mas será que esse assunto é tratado com o devido cuidado e relevância nas escolas?

A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo explicou, em entrevista ao aGente, que em 2008 foi proposto um currículo básico para as escolas da rede estadual nos níveis de Ensino Fundamental II e Médio.

O objetivo era apoiar o trabalho do professor em sala e contribuir para a melhoria da qualidade de aprendizagem, para garantir uma base comum de conhecimentos e competências de acordo com a realidade da rede, orientando as escolas no que concerne à promo- ção das competências necessárias para enfrentar os desafios sociais. O currículo articula, dessa forma, competências com conteúdos disciplinares.

A Proposta Pedagógica contida no currículo prevê ações entre as disciplinas, estímulo à vida cultural da escola e o fortalecimento de suas relações com a comunidade. Um dos materiais de apoio para o professor trabalhar em sala são os Cadernos do Professor e Aluno, organizados por disciplina/série (ano) nos quais são apresentadas as Situações de Aprendizagem com métodos e estratégias de trabalho e sugestões para avaliação e recuperação.

Lucia Isabel Aparecida Soares, responsável pelo conteúdo de História na Diretoria de Ensino de Bauru, comenta sobre esse currículo proposto e os cadernos do professor e do aluno e destaca sua eficácia: “esse currículo foi pensado de forma que, ao final dessa abordagem, esses jovens tenham a compreensão exata do significado desse período de regime militar e de qualquer outro de nossa história e o que cada época representa no presente para todos os brasileiros”.

Para Luis Fernando Cerri, professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa, a importância de um estudo sobre o tema sem escolha de lado é essencial. “Não se trata de defender esta ou aquela versão, deste ou de outro personagem da época ou seus discursos, mas de abrir espaço para os estudos sérios que surgiram na ciência política e na história e que caracterizaram e definiram o papel histórico do regime militar”, observa.

Os livros e os estudantes

Luis Cerri acredita que o material didático tem melhorado na sua qualidade sob a vigilância ativa dos especialistas recrutados pelo Programa Nacional do Livro Didático, do Ministério da Educação, que cria um guia para ser encaminhado às escolas, que escolhem, entre os títulos disponíveis, aqueles que melhor atendem ao seu projeto político pedagógico.

Outra questão importante para entender como o assunto é tratado nas escolas, é reconher que o jovem, hoje, é afastado de questões políticas. Para Fabio Pallotta, professor de História da Universidade Sagrado Coração, isso é um problema da geração: “o jovem realmente está cada vez mais distante de assuntos políticos, e parte disso eu atribuo ao individualismo das novas gerações, ao uso abusivo das redes sociais e também pelo ensino nas escolas ser direcionado apenas para o vestibular, não se voltando para questões políticas.

A solução mais próxima para essa situação, encontrada por Luis Cerri, seria convencer esses cidadãos do presente e do futuro de que não há saída individual para os nossos problemas, mas apenas saídas coletivas e solidárias, só assim será possível aproximar esses jovens da política.
A história de quando a esquerda começou a matar a própria esquerda

por Arthur Ferreira

Os anos setenta no Brasil foram de muito sangue. Muito. Tanto que grupos armados da esquerda come- çaram os “justiçamentos”, execuções de possíveis militantes traidores. O primeiro deles foi um dos comandantes da ALN, Márcio Leite de Toledo que, com 26 anos, foi morto com mais de dez tiros. Estava descontente com os destinos da luta armada, a qual se distanciava do povo passo a passo.

Após a morte de Carlos Marighella, em 69 e a morte seguida de tortura do jornalista Joaquim Câmara Ferreira, ambos delatados por companheiros, a ALN decidiu começar com os justiçamentos, afim de evitar mais perdas.

O justiçamento fazia parte da cartilha revolucionária dos anos da ditadura e em Cuba era uma prática rotineira. Che Guevara conta, com precisão científica, em seus diários como matou um colega que fraquejara. Um caso semelhante a um justiçamento já tinha acontecido em 1936, quando Elza Fernandes, 16 anos, foi enforcada a mando de Luis Carlos Prestes por suspeita de trair os comunistas. Filho de integralista, da famí- lia dona do Instituto Toledo de Ensino em Bauru, Márcio Leite de Toledo já havia treinado guerrilha em Cuba. “Ele era o ‘matraqueiro’, responsável por dar cobertura aos colegas na ação com uma metralhadora”, diz Lídia Guerlenda, em entrevista à Folha. “Éramos quatro, e ele deixou a metralhadora no banco do carro, pôs a mão no bolso e ficou assobiando. Talvez fosse uma maneira de aliviar a tensão, sei lá, mas a atitude dele deixou todos indefesos”, mostrando a displicência de Márcio.

Como comandante da ALN, Carlos Eugênio Paz participou da morte de Márcio. “A ALN estava vivendo anos terríveis, começamos a perceber que tí- nhamos que tomar medidas de defesa”, Carlos Eugênio contou na sede estadual do PSB, no largo da Carioca para a Folha. “Se fosse detectado que uma pessoa ia ser presa ou cair, ajudando com informações que levassem à derrubada da organização, oferecíamos a oportunidade de deixar o país, como fizemos com Márcio. Como ele não aceitou, a organização iria justiçar”.

“Márcio foi o primeiro. Não havia maneira de enfrentar a questão. A ALN tomou essa medida corretamente, medidas que só se tomam em tempos de guerra. É uma medida extrema e irreversível, temos que conviver com ela”.

Márcio não queria mais luta armada. Deixara uma carta em um dos seus bolsos manifestando essa vontade. O cadáver era então um argumento da esquerda para que a organização fosse resguardada. Dois dias antes de morrer, Márcio visitara um primo, que disse à Folha que ele queria juntar todas as oposições contra a ditadura: “E comentou o desejo de, antes do recuo, armar uma operação contra o delegado Sérgio Fleury, o grande carrasco da esquerda brasileira”, disse Francisco José de Toledo, primo do militante justiçado, considerado um herói por seu irmão, já que tinha consciência das circunstâncias e mesmo assim continuou na opção que havia tomado.
Depois de 30 anos da assinatura da lei de Anistia no Brasil o debate sobre suas limitações continua

por Jéssica Frabetti

A lei da Anistia no Brasil foi criada no último governo da ditadura militar, no dia 28 de agosto 1979, pelo presidente João Figueiredo. A lei visava atender as diversas reivindicações da população, que já se manifestava para uma abertura política desde a segunda metade da década de 70. Ela concedeu perdão aos crimes políticos cometidos no regime militar, mas com uma clara limitação. O povo clamava por uma anistia que fosse ampla – para todos os crimes políticos; geral – para todas as categorias de atingidos pelos atos de exceção do governo militar; e irrestrita – sem nenhuma restrição para sua aplicação. No entanto, isso não aconteceu. A lei foi restrita, excluía os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. E também se estabeleceu que a anistia fosse recíproca. Esse acordo, na qual se usou a expressão “crimes conexos aos políticos”, fez com que os agentes da ditadura não viessem a ser punidos. Os temas referentes a esclarecimento de mortes, desaparecimentos e à responsabilização do governo ditatorial quanto a esses atos não foram levados em conta.

Paulo Abrão, secretário Nacional da Justiça e Presidente da Comissão da Anistia, entende que “a lei é ambígua por representar, ao mesmo tempo, a vitó- ria do governo militar que impôs um projeto de lei que teve a pretensão do esquecimento e da impunidade, e também é marco jurídico do processo de redemocratização no Brasil”. Mas, essa questão ainda não se encerrou. Significativos passos foram dados nos últimos anos para reviver essa questão.

Comissão de Anistia

A Comissão da Anistia foi criada em 2001, com o real propósito de anistiar e reparar a todos aqueles que foram atingidos por atos de exceção entre 1946 e 1988. O presidente da comissão, Paulo Abrão, explica que “é principio basilar do estado de direito que quando o Estado causa prejuízos a terceiros por sua própria iniciativa, ele tem o dever de reparar. Então a Comissão da Anistia leva adiante essa obrigação”. Mas os julgamentos não levam à punição dos agentes do Estado que cometeram atos de exceção. A comissão funciona a partir de requerimentos de cidadãos que gostariam ter sua história reconhecida como parte da narrativa oficial da história, e, a partir desse requerimento inicial, a comissão promove algumas diligências visando encontrar documentos públicos oficiais que possam vir a comprovar as alegações. “Com esse conjunto documental, a comissão delibera e esse ato de deliberação corresponde à um pedido de desculpas oficiais a pessoa pelos erros que o Estado cometeu no passado. E, se for o caso, há algum tipo de reparação econômica pelos termos previstos na lei”. A comissão, desde 2007, trabalha com o projeto Caravana da Anistia, na qual acontecem sessões reais do julgamento da comissão, itinerantes pelo país. Paulo Abrão conta que com a caravana foi possí- vel difundir o assunto “criando conscientização, permitindo encontros com a nossa história e gerando um processo pedagógico para a nossa juventude, para que ela possa se apropriar desse legado e aprofundá-lo no futuro”.

Corte Interamericana de Direitos Humanos

A corte é um órgão judicial que visa interpretar a Conven- ção Americana de Direitos Humanos. Os países que assinaram essa convenção se “comprometem a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercí- cio a toda pessoa que está sujeita a sua jurisdição, sem qualquer discriminação”. O Brasil faz parte da convenção e foi condenado pela incompatibilidade da Lei da Anistia com o direito internacional e a Convenção Americana. Para o julgamento dos crimes do Estado e seus agentes, o sistema de justiça brasileiro precisa reconhecer essa sentença. “Essa é uma questão juridicamente em aberto”, alerta Paulo Abrão.

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